Acesso a medicamentos

Por afetarem uma parcela pequena da população, nem todas as doenças raras têm remédios específicos para controlá-las. E, quando eles existem, são frequentemente indisponíveis na rede pública e de alto custo. Conheça os caminhos para driblar essas dificuldades

 

O paciente descobre que sofre de uma doença rara, para a qual não há cura, e que é preciso seguir o tratamento de forma rigorosa para ter uma expectativa de vida mais longa e com qualidade. Tão difícil quanto essa descoberta, porém, é se dar conta de que existe remédio para controlar a enfermidade, mas que o custo é elevado e incompatível com suas condições financeiras, e que o Governo não o disponibiliza.

 

Embora existam medicamentos com eficácia comprovada para desacelerar a progressão de doenças raras e controlar seus sintomas, nem todos estão na lista de remédios oferecidos pelo SUS, a Rename (Relação de Medicamentos Essenciais).

 

Por meio do Sistema Único de Saúde, a Constituição Federal garante o direito à saúde de forma integral e igualitária, incluindo a assistência farmacêutica. No entanto, o Ministério da Saúde pontua que “o paciente somente terá acesso aos medicamentos previamente incorporados ao SUS, o que é feito mediante avaliação de órgãos técnicos especializados, que levam em conta as evidências científicas sobre a eficácia, a acurácia, a efetividade e a segurança dos medicamentos, bem como a avaliação econômica comparativa dos benefícios e dos custos em relação aos produtos já incorporados”. No Brasil, o órgão regulador do setor de medicamentos é a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

Estados e municípios têm autonomia para disponibilizar os medicamentos de acordo com a necessidade da população que atendem. Para a aquisição dos medicamentos, o Ministério da Saúde repassa a verba às secretarias de saúde. Ao esse valor, é adicionada uma quantia pelos estados e municípios.

 

Para obter, gratuitamente, medicamentos, o paciente deve procurar as unidades de saúde de sua cidade e estado, apresentar receita médica e realizar um cadastro para a emissão do Cartão Nacional de Saúde, que dará acesso ao agendamento de consultas e exames e a medicamentos gratuitos.

 

No próprio portal do SUS , você encontra a lista de todos os medicamentos de alto custo disponíveis para retirada gratuitamente.

O problema é que, muitas vezes, o paciente não encontra o medicamento que precisa, seja por estar em falta na rede pública ou por se tratar de um remédio que ainda não foi incorporado ao SUS.

 

Nesse caso, uma alternativa é buscar ajuda junto aos órgãos administrativos de controle. Isso se o paciente estiver em condições normais de saúde para esperar até uma resposta definitiva, já que esses trâmites costumam ser demorados. O primeiro passo é protocolar requerimento na Secretaria da Saúde (do Estado ou do Município), solicitando, com base em relatório médico, os medicamentos dos quais necessita.

 

Se mesmo assim o paciente encontrar dificuldades no acesso aos medicamentos, poderá apresentar reclamação às ouvidorias do SUS (locais, regionais ou nacional). A ouvidoria do Ministério da Saúde, por exemplo, tem autoridade para acionar os órgãos competentes para a correção dos problemas identificados.

 

O usuário também pode contar com o auxílio de assistentes sociais do próprio estabelecimento de saúde em que recebe atendimento. Esses profissionais, muitas vezes, são a chave para a solução de problemas, principalmente nos casos de má comunicação ou desconhecimento dos mecanismos de controle. Ou então, procurar associações de pacientes, Ministério Público e, em último caso, diante da falta de uma solução, entrar com ação na Justiça, solicitando que o governo forneça o medicamento gratuitamente, mesmo que ele não esteja registrado na Anvisa.

Para a maioria das doenças raras, ainda não existe um remédio específico, os chamados medicamentos órfãos. Algumas dessas moléculas, apesar de sua comprovação científica e aprovação no exterior, ainda não foram incorporadas pelo SUS—o que tem levado um grande número de pacientes a entrar na Justiça.

 

Diante da dificuldade de acesso a medicamentos no país, do risco de avanço da doença e até de morte, a Justiça tem sido a opção de milhares de brasileiros para garantir seu direito à vida, como determina a nossa Constituição Federal.

 

Segundo dados da Interfarma (Associação da indústria farmacêutica de pesquisa), em apenas quatro anos, o gasto do Ministério da Saúde com ações judiciais saltou 107%, passando de R$ 368 milhões para R$ 761 milhões em 2015.

 

“O grande dilema no Brasil é a questão do preço. Depois, vem a burocracia. A questão das doenças raras lá fora também é complexa, mas, nos Estados Unidos, por exemplo, o governo faz parcerias com a indústria. Na Europa, há entendimento com a população. Se o governo diz que não tem condições financeiras é porque não tem mesmo”, analisa o médico geneticista Salmo Raskin do Centro de Aconselhamento e Laboratório Genetika e membro da Sociedade Brasileira de Genética Médica.

Segundo definição da Eurordis (European Rare Disease Organization), medicamentos órfãos são aqueles destinados ao diagnóstico, prevenção ou tratamento de doenças potencialmente fatais, muito graves ou raras. Estes medicamentos são designados “órfãos” pois, em condições normais de mercado, a indústria farmacêutica tem pouco interesse em desenvolver e comercializá-los, já que são destinados a um número pequeno de pacientes.

A introdução, exclusão e alteração de medicamentos e insumos na Rename são realizadas pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec), coordenadas pelo Ministério da Saúde, com a participação de representantes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), além de especialistas da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), de entidades e associações médicas, comunidades científicas e hospitais de excelência.

 

A incorporação é feita a partir da análise de eficácia e custo-benefício dos medicamentos e deve ser acompanhada de regras precisas quanto à indicação e forma de uso. Isso permite orientar adequadamente a conduta dos profissionais de saúde, além de garantir a segurança dos pacientes. A Conitec tem um prazo de 180 dias, prorrogáveis por mais 90, para a conclusão dos processos de avaliação de novas tecnologias.

 

Para Raskin, é necessária uma revisão do processo de aprovação de medicamentos para agilizar o registro das drogas órfãs, como determina o artigo 12 da lei nº 6.360, de 1976, 3º parágrafo, que determina que o registro deveria ser concedido no prazo máximo de 90 (noventa) dias, a contar da data de entrega do requerimento.

 

Além disso, é preciso criar leis que estimulem as indústrias nacionais e internacionais a desenvolver pesquisas sobre doenças raras no Brasil, isentar de impostos materiais médicos e medicamentos sem equivalência no país– que obrigatoriamente precisam ser importados– e aumentar, gradativamente, o investimento em saúde nos orçamentos federais, estaduais e municipais.