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Uma saga contra a Febre Mediterrânea Familiar

Diagnóstico de doença rara é descoberto depois de 15 anos

Por Beatriz Simonelli

Uma doença é considerada rara quando atinge até 65 em cada 100 mil indivíduos e o paciente pode demorar cerca de quatro anos para chegar a um diagnóstico conclusivo. Essas estatísticas não foram diferentes para Sharon Srour Acherboim, que aos 16 anos recebeu o diagnóstico conclusivo da doença rara: Febre Mediterrânea Familiar (FMF).

Após uma gravidez bastante complicada devido ao desenvolvimento da Síndrome Antifosfolipídica, que quase levou Jéssica Srour a sofrer um aborto, nasceu Sharon Srour Acherboim. Uma bebê saudável, feliz, alegre e sem dificuldades, dores ou desconfortos. No entanto, tudo mudou quando, aos seis meses de idade, a mãe interrompeu a amamentação e começou a introdução alimentar com papinhas, frutas e legumes.

“A partir dos seis meses de idade, Sharon começou a ter infecções de repetição das vias respiratórias superiores, ou seja, sofria frequentemente com sinusite, faringite, amidalite e muitas vezes sinusite com amidalite. Além disso, antes do primeiro ano de idade, ela já apresentava vómitos de repetição, diarreia e perda de peso, que desencadeou anemia”, conta a Jéssica, a mãe da paciente.

Apesar de muitas idas a prontos socorros e diversas crises respiratórias, o quadro se estendeu até os quatro anos de Sharon sem qualquer diagnóstico concreto. A indicação para o tratamento era comum, com antibióticos e anti-inflamatórios, como episódios naturais de uma criança em desenvolvimento.

“Eu sempre senti que havia algo de errado, nunca desisti de minha filha e sempre ia de médico em médico com uma nova esperança. Infelizmente, sem apoio familiar, que na maior parte do tempo julgava minhas habilidades como mãe. E de uma infecção a outra, encontrei uma pediatra, a Dra. Andreia, que eu não sabia na época, mas seria o primeiro passo para chegar ao diagnóstico da FMF”, diz a mãe.

Após detalhar todos os sintomas, que a essa altura já incluíam graves lesões no lábio, parecido com grandes aftas, a Dra. Andreia foi a primeira a acreditar em Jéssica e explicar que algo de errado estava, com certeza, acontecendo com a saúde da filha e aconselhou a mãe a buscar a ajuda de um imunologista.

Depois de muitos exames, veio o primeiro diagnóstico: Imunodeficiência. Sharon foi diagnosticada com deficiência total de IGA e IGA secretor, genes responsáveis por proteger as mucosas do organismo, tanto por fora como por dentro do corpo. E também a ausência do IGG4. Segundo o médico, das imunodeficiências, essa era uma das mais leves embora não tivesse cura.

“Pena que o diagnóstico completo estava longe de ser algo leve. Já que a recomendação era lidar com as infecções de repetição à medida que acontecessem e tomar cuidado para que os quadros infecciosos não se agravassem”, fala Jéssica.

Bastante assustada, Jéssica começou a estudar a síndrome de IGA e inclusive conversou com uma pesquisadora de USP, que aconselhou a mãe e explicou que entre os oito e doze anos de idade iria acontecer um equilíbrio e Sharon teria uma vida normal. No entanto, as infecções continuaram e ela passou a ter dores muito agudas no abdômen e febres altíssimas, o que fazia mãe e filha viverem uma rotina de idas ao hospital sem fim.

Ao completar seis anos, mais sintomas apareceram e Sharon começou a sofrer com dores nas articulações, sem conseguir firmar os pés no chão e ter fortes dores nos joelhos. Durante três anos as crises só aumentavam e os quadris foram comprometidos com dores agudas e cada vez menos locomoção. Foi quando, depois outros muitos exames, os médicos concluíram que ela estava com problemas psicológicos, a diagnosticaram com distúrbio factício e concluíram que ela manipulava a mãe emocionalmente fingindo sintomas.

“Ela tinha por volta dos nove anos quando começou a tomar antidepressivo. Até que três meses depois, ela já estava em uma cadeira de rodas devido as dores nas articulações dos quadris”, complementa a mãe.

Por insistência, Jéssica conseguiu convencer os médicos a realizarem um Raio X do quadril e descobriram que Sharon estava com derrame bilateral de quadril , o que rendeu dez dias de internação com tração nas duas pernas e uso de corticoide.

De acordo com mãe, as infecções e dores abdominais não davam trégua, assim como as dores nas articulações, por isso, as idas ao hospital também não cessavam. Sharon chegou a passar com mais de 40 médicos em busca de um diagnóstico mais assertivo, porém, a notícia era sempre a mesma: imunodeficiência de GA e para as outras causas não havia explicação.

[quote]“Sharon chegou a passar com mais de 40 médicos em busca de um diagnóstico assertivo”, conta a mãe.[/quote]

De acordo com a Sociedade Brasileira de Genética Médica, 90% das doenças raras são genéticas e atualmente no Brasil, segundo os últimos dados da Demografia Médica Brasileira feita pela Universidade de Medicina da UPS com apoio do Conselho Federal e Regional de Medicina, só existem 305 geneticistas. Além disso, dos 39 mil pediatras brasileiros, apenas 384 são especialistas em genética, o que torna o acesso aos especialistas bastante incomum.

Além de todos os sintomas e impactos em sua saúde, Sharon também encarou grandes abalos emocionais já que os aspectos sociais foram gravemente afetados.

“Ela faltava muitas vezes na escola para se recuperar das crises e mesmo sendo bastante inteligente, acabou sofrendo uma perda enorme de conteúdo. Além disso, minha filha sempre ficou muito isolada durante as aulas e não criou laços sociais devido às inúmeras faltas. Tudo isso trás consequências para suas habilidades sociais até hoje”, conta Jéssica.

No fim do ano passado, Jéssica resolveu atualizar os exames da filha e por indicação de um amigo, foi até um reumatologista do Hospital Albert Eistien, chamado Monton Scheinberg. “Logo que comecei a descrever os sintomas ele já disse que tinha suspeita dela ter a doença rara na qual ele era especialista e me passou uma lista de exames. Os custos eram muito altos, por isso, demoramos cerca de um mês para levantar fundos. E quando finalmente ela fez o exame e saiu o resultado, deu positivo para Febre Mediterânea Familiar”, diz Jéssica.

Depois de quinze anos na saga para conseguir o diagnóstico correto, sofrendo com preconceito, deboche e falta de apoio, hoje, aos dezesseis anos, Sharon, finalmente tem acesso ao tratamento certo.

“Após tantos anos no escuro, finalmente ter um diagnóstico correto com tratamento que permite o bem-estar e melhor qualidade de vida da minha filha é emocionante. Apesar de ela ainda estar se adaptando as medicações, a melhora foi significativa”, diz a mãe.

Ainda segundo a mãe da paciente, é preciso nunca desistir e nem aceitar qualquer diagnóstico, por que, além da maioria dos profissionais não serem especialistas em doenças raras e por isso faltar muita informação, os médicos são, assim como qualquer outro ser humano, falíveis.

“Afinal, quem vive o seu dia a dia é você e seu filho, por isso, sempre busque mais e nunca desista. Os pais e responsáveis são quem mais conhecem seus filhos. Agora, com o diagnóstico correto, este é apenas um novo começo para nós”, finaliza Jéssica.

Para saber mais sobre a Febre Mediterrânea Familiar, clique aqui

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