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Quem deve pagar pelo custo de uma doença rara?

A história do bebê Joaquim, diagnosticado aos dois meses com atrofia muscular espinhal, movimentou, recentemente, as redes sociais e atraiu dezenas de apoiadores em todo o país.

A história do bebê Joaquim, diagnosticado aos dois meses com atrofia muscular espinhal, movimentou, recentemente, as redes sociais e atraiu dezenas de apoiadores em todo o país. A campanha “Ame Joaquim” chamou atenção para uma doença que o Brasil desconhecia até então, conseguindo arrecadar, em tempos de crise, surpreendentes R$ 3 milhões. O valor tem sido usado para custear um medicamento aprovado em dezembro do ano passado pelo FDA, órgão regulador nos EUA. A medicação – desde que administrada nos primeiros meses de vida – promete conter os avanços da doença genética que mais mata crianças em todo o mundo.

Joaquim é um dos primeiros brasileiros a ter acesso ao medicamento, mas sua história é um recorte da realidade de muita gente – aproximadamente, 13 milhões de pessoas que sofrem de doenças raras em nosso país. O número é superior à população de São Paulo.

Mesmo com uma demanda tão expressiva, o Brasil não conta, hoje, com uma política nacional que resguarde quem sofre de uma doença rara. O Sistema Único de Saúde atende essa população de maneira fragmentada, pois muitas dessas patologias – 80% de origem genética – não estão inseridas em nenhum protocolo.

Sem atendimento previsto no SUS e a análise de novos medicamentos pela Anvisa, pacientes recorrem à Justiça para obter o direito ao tratamento. Um panorama que corrobora com o crescimento da famigerada judicialização da saúde, processo que, nos últimos anos, tem crescido em ritmo assustador. Só em São Paulo, o número de condenações da Justiça quase dobrou, em um período de cinco anos – de 9.385 em 2010 para 18.045, em 2015. Ainda, de acordo com o Ministério da Saúde, o Governo desembolsa, anualmente, R$7 bilhões com a judicialização. Valor que conseguiria, por exemplo, zerar a fila de espera por uma cadeira de rodas, que, em alguns estados, chega a ser de cinco anos.

Tais números denotam a falta de planejamento do Sistema Único de Saúde, que acaba por ter um grande desperdício de recursos públicos, alimentando as cifras da indústria farmacêutica que, muitas vezes, transforma pacientes e suas famílias em reféns da própria vida. De acordo com a ONG americana Public Citizen, se somarmos as 20 maiores empresas farmacêuticas do mundo, o lucro anual dessas corporações gira em torno de US$ 100 bilhões.

Além disso, a escassez de geneticistas e a concentração dos centros de referência no Sul e Sudeste dificultam o acesso aos tratamentos específicos. Atualmente, em todo o País, há cerca de 200 geneticistas – um para cada 1,25 milhão de pessoas. De acordo com estudo da Interfarma, faltam 1800 geneticistas em todo o país.

Sem investimento em pesquisas, formação e capacitação de profissionais, além de dados sobre essas doenças, a realização de diagnósticos é ainda mais comprometida. Não por acaso, grande parte dos pacientes de doenças raras recebem apenas tratamentos paliativos que não são capazes de intervir na evolução de sintomas.

Como parlamentar e Presidente da Frente Parlamentar Mista de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras, venho atuando para amenizar essa realidade. Estive com o senador Tasso Jereissati, o diretor-presidente da Anvisa, Dr. Jarbas Barbosa, e a Fátima Braga, presidente da Associação Brasileira de Atrofia Espinhal (ABRAME). No encontro, conversamos sobre a incorporação de medicamentos através do SUS, como remédio em questão e outros para o tratamento de doenças raras.

Venho também fazendo reuniões com o laboratório fabricante e acompanhando o processo de submissão do medicamento à Anvisa, por meio de um dossiê para a incorporação do produto, bem como o registro de sua precificação – dois requisitos básicos para que o produto seja comercializado no Brasil e posteriormente incorporado ao SUS. Segundo associações, a empresa teria se comprometido a fixar um valor diferenciado da medicação em nosso país, estimando uma redução entre 40% a 60% sobre o valor atual do produto, em caso de compra coletiva via sistema único.

No Brasil, quem recebe o diagnóstico de uma doença rara vive à sombra de muita coisa: informação, tratamento, remédio, qualidade de vida. O sofrimento e a peregrinação em busca de respostas são uma constante na vida dessas famílias, que hoje se encontram em um limbo. Uma condição que fere escancaradamente o direito à vida.

Precisamos ressignificar o conceito de “raro”. O direito à saúde e dignidade de uma pessoa, em hipótese alguma, deve ser negligenciado em detrimento ao atendimento coletivo. Vidas não se contam.

Mara Gabrilli, é deputada federal e presidente da Frente Parlamentar Mista de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras. Publicitária e psicóloga, também foi vereadora na Câmara Municipal e Secretária da Pessoa com Deficiência da Prefeitura de São Paulo.

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