Quem é mãe de um filho com deficiência ou doença rara, a conquista traz uma sensação quase subversiva, revolucionária. E é assim que as vejo. Revolucionárias. E quem vai dizer o contrário?
A maternidade nem sempre bate à porta acompanhada de tudo o que uma mulher espera – e precisa – quando resolve gerar um filho. No Brasil, quem é mãe de um filho com deficiência ou uma doença rara sabe do que falo.
Essa mãe, que é uma das razões de nosso trabalho existir, é habituada a viver de ‘nãos’. Um não que chega antes de dar a luz, quando a ela é apontado um futuro sem perspectivas. “Seu filho não vai andar, não vai comer, nem falar sozinho”. “Seu filho nunca terá autonomia para fazer determinadas coisas”. “Seu filho não viverá até a adolescência”.
No dia a dia, essa negativa se revela de forma silenciosa, muitas vezes cruel. É na matrícula que é “simpaticamente” negada na escola, na ausência de reabilitação, tratamento, transporte e profissionais capacitados nos serviços públicos. Ela se mostra quando a oferta ao esporte, à cultura e ao lazer também é vetada. Ela está ali, no parquinho, quando a sua criança com deficiência é tolhida de brincar com outras.
As barreiras lembram a essas mulheres que ser mãe de filho com deficiência é sentença de uma gincana diária, onde se dribla preconceitos e negligências. Mas é também um presente. É superar prognósticos desalentadores, é se fortalecer de uma fé delas, sem santo e tamanho, é comemorar cada conquista como algo realmente precioso.
Claro que para toda mãe o passo dado por um filho é sempre grandioso. Mas para quem é mãe de um filho com deficiência ou doença rara, a conquista traz uma sensação quase subversiva, revolucionária. E é assim que as vejo. Revolucionárias. E quem vai dizer o contrário?
Já podemos ver esses filhos carregando toda a potência de suas mães em lugares na sociedade. A cada dia é mais comum ver as pessoas com deficiência intelectual trabalhando, casando, trilhando suas vidas com autonomia. As pessoas com paralisia cerebral empoderadas, se desenvolvendo ao seu tempo, mas com muito brilhantismo. As pessoas com deficiência visual e auditiva buscando seu espaço no mercado de trabalho. E tem até gente com deficiência física severa encarando desafios na política.
Sim, eu também tive uma mãe que me impulsionou até aqui.
E o que dizer sobre as mães que têm filhos com doenças raras e hoje conseguem ver seus filhos simplesmente vivendo, contrariando expectativas e prognósticos?
As mães raras se veem diante de um abismo sem respostas, esperam de cinco a dez anos para receber o diagnóstico correto do filho. Elas recebem informações de impacto avassalador, mas ainda assim reinventam o futuro.
E assim como toda mãe, elas encaram dilemas. A diferença é que fazem isso com o anseio constante de algo imponderável: a morte. Afinal, a maioria das doenças raras são crônicas, progressivas e degenerativas – e em 75% dos casos se manifestam no início da vida, afetando crianças de 0 a 5 anos. E quando não há acesso a tratamento adequado, essas doenças podem gerar perdas de desenvolvimento irreparáveis.
Discutimos tanto hoje o futuro de gerações, mas ainda deixamos de ouvir muitas dessas mães. Elas temem o futuro.
Por isso nunca foi tão urgente investirmos em políticas públicas que facilitam o diagnóstico e o acesso a tratamentos, mesmo quando estes são paliativos.
Não por acaso, já trabalhamos há certo tempo para que o SUS oferte o Teste do Pezinho ampliado, que pode detectar cerca de 50 doenças – ao contrário do exame oferecido pelo Sistema Único de Saúde, que tria apenas seis patologias. Atualmente, com exceção do Distrito Federal, que oferece a triagem neonatal de forma ampliada na rede pública, o Teste do Pezinho só é disponibilizado na rede particular e o custo do exame pode chegar até R$ 1 mil.
A própria Lei Brasileira de Inclusão (Lei 13.146/15), que relatei na Câmara dos Deputados com o apoio da sociedade civil, determina ao SUS desenvolver ações destinadas à prevenção de deficiências por causas evitáveis, inclusive por meio de aprimoramento e expansão dos programas de imunização e de triagem neonatal.
Cabe ao Estado cumprir essa legislação que foi construída por muitas mãos e por muitas mães.
Agora no Senado, a nossa luta continua. A meu pedido, reinstalamos os trabalhos da Subcomissão Especial de Doenças Raras. E com o apoio de todos os senadores da Comissão de Assuntos Sociais, presidida pelo Senador Romário, estamos confiantes de que poderemos contribuir para promover os avanços necessários em nosso país. Os desafios são grandes, mas nada comparado aos obstáculos que essas brasileiras – inspiração deste texto para o mês das mães – contornam todos os dias.
Neste Dia das Mães, deixo registrado aqui meu apoio e admiração a essas mulheres gigantes, que afrontam bravamente o imponderável, ressignificando o conceito de dedicação. Saibam que a locomotiva do nosso trabalho é abastecida pelo amor e garra de todas vocês.
Mara Gabrilli, atualmente é senadora por São Paulo e atua bastante com políticas públicas para doenças raras. Publicitária e psicóloga, foi deputada federal por dois mandatos consecutivos, vereadora na Câmara Municipal e Secretária da Pessoa com Deficiência da Prefeitura de São Paulo.