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Avanços, desafios e expectativas para o cenário das doenças raras no Brasil

Lutas individuais e coletivas, esforços de famílias e pacientes, articulação com poder público, envolvimento do Terceiro Setor… Não fossem todas essas frentes atuando concomitantemente, o brasileiro com alguma doença rara ainda estaria à margem de muita coisa – a começar pelo acesso à informação.

Fato é que, nos últimos anos, a pressão social e legislativa exerceu papel fundamental para que as políticas de atenção às pessoas com doenças raras avançassem no Brasil. Ainda temos muito a fazer, mas aos poucos a realidade de quem sofre de uma doença rara no Brasil vem se remodelando. A discussão sobre a incorporação do Spinraza (nusinersena) para o tratamento da Atrofia Muscular Espinal (AME) é um exemplo dessa repercussão. A aquisição do medicamento por meio da modalidade de compartilhamento de risco trouxe uma perspectiva inovadora para a viabilização da incorporação de outros medicamentos órfãos no Brasil.

Um dos grandes desafios dos poderes públicos de todo o mundo é oferecer uma rede assistencial especializada no tratamento dessas enfermidades, além de garantir a efetiva inclusão social dessas pessoas.

Como resposta do Parlamento à luta dos pacientes, instalamos no Senado a Subcomissão Temporária sobre Doenças Raras. O objetivo do colegiado é propor iniciativas para promoção e defesa dos direitos e da inclusão de pessoas com Doenças Raras, bem como o devido aprimoramento na legislação específica.

Ainda no Senado, reunimos as três subcomissões da Comissão de Assuntos Sociais para trabalhar na elaboração de uma proposta para uma política nacional de cuidado. Dessa forma, integrantes da Subcomissão sobre Doenças Raras, da Subcomissão Permanente de Proteção e Defesa da Pessoa Idosa e da Subcomissão Permanente da Pessoa com Deficiência têm se reunidos para debater o tema.

No semestre passado, a pedido das três subcomissões, o Instituto DataSenado realizou pesquisa que mostrou o crescimento nos últimos anos da profissão de cuidadores de pessoas com deficiência, com doenças raras e idosos. Segundo o estudo, o Brasil tem mais de 34 mil cuidadores de pessoas idosas, mas não existem estimativas confiáveis do número de cuidadores de pessoas com doenças raras ou com deficiência.

Continuando com os avanços conquistados na área de doenças raras, não podemos deixar de falar do aumento da aprovação de Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDTs). Esses PCDTs uniformizam o tratamento em todo o país, oferecendo segurança e qualidade na atenção aos doentes raros. Atualmente a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) dispõe de 120 PCDTs, dos quais 45 destinados a tratar as pessoas com doenças raras – outros três estão em elaboração. Outra novidade que não posso deixar de citar é a aquisição do aparelho para sequenciamento de Exoma, que conseguimos providenciar junto ao Governo do Estado do São Paulo. O equipamento realiza um exame de alta complexidade capaz de identificar genes responsáveis por doenças raras. Um grande avanço que permitirá à população fazer o aconselhamento genético pelo SUS.

Outro ponto importante é o papel da Anvisa no registro de novos medicamentos órfãos. No ano passado, foram registrados 19 medicamentos, um número recorde comparado a 2018, quando foram registrados apenas 10. Com isso, a Anvisa se equipara às grandes agências reguladoras de outros países. Por outro lado, com o avanço das tecnologias, como é o caso das terapias gênicas, teremos pela frente desafios ainda maiores em relação aos custos destes revolucionários medicamentos.

Coloco também como um desafio para 2020 a ampliação do Programa Nacional de Triagem Neonatal, do Ministério da Saúde. Instituída em 2001, após 18 anos, essa triagem biológica segue estagnada na detecção de apenas seis doenças. Enquanto isso, na rede privada já existe o teste expandido que detecta cerca de 50 doenças. A gotinha de sangue colhida do recém-nascido pode salvar vidas e mudar o futuro de um brasileiro evitando limitações severas, perda da autonomia e independência.

O governo do Distrito Federal nos oferece um excelente exemplo de que essa ampliação é viável: em 2008 ampliou a triagem neonatal para rastrear 36 doenças diferentes e, em 2019, aprovou legislação incluindo as doenças lisossomais e a imunodeficiência combinada grave. Com isso, o teste pode detectar 44 tipos de enfermidades na rede pública de saúde da capital federal. Entre as doenças mais encontradas no teste do pezinho ampliado está a deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase (G6PD), enzima presente nas células do corpo que auxilia na produção de substâncias que as protegem de fatores oxidantes. A doença não é diagnosticada no SUS pelo programa do governo federal. O não tratamento pode acarretar severas sequelas neurológicas.

Outra doença que deveria estar no Programa Nacional de Triagem Neonatal é a galactosemia, quando o organismo não consegue processar a galactose, um tipo de açúcar presente no leite e em outros alimentos. O Brasil é o país com a segunda maior incidência de galactosemia clássica do mundo. Por meio de medidas simples e restrições alimentares, a criança diagnosticada precocemente tem a chance de não ter convulsões, catarata, atraso neurológico, entre outros.

Por fim, lembro que as questões das pessoas com doenças raras perpassam por variadas políticas: educação, trabalho, transporte, cultura, saúde, lazer, esporte, habitação. As transformações devem acontecer nas mais diversas dimensões de vida desses cidadãos, com o objetivo de promover sua plena e efetiva inclusão social. É preciso que o Poder Público e a sociedade de modo geral compreendam e incorporem a ideia de que uma ação que não contempla uma pessoa com doença rara ou com uma deficiência está incompleta. Simplesmente porque exclui uma parcela significativa da população. E uma nação que mira de fato o desenvolvimento não consegue crescer negligenciando a sua principal matéria prima, as pessoas.

Mara Gabrilli, é Senadora da República representando o estado de São Paulo.  É presidente da Frente Parlamentar Mista de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras. Publicitária e psicóloga, também foi vereadora na Câmara Municipal e Secretária da Pessoa com Deficiência da Prefeitura de São Paulo.

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