Sem cura, tratamento é fundamental para conter evolução da doença e proporcionar vida normal
Por Gláucia Padilha
Diarreia. Dor abdominal. Desânimo. Fraqueza. Falta de apetite. Esses foram os sintomas que de repente surgiram na vida do adolescente Rodrigo Boani Norato, 15 anos, morador de Cotia, na Grande São Paulo. À época, o garoto então com 14 anos, durante uma viagem de férias com os pais, Marli Boani Norato, técnica de enfermagem, e Levi Norato, comerciante, falou que não estava se sentindo bem em decorrência de uma diarreia. “Na ocasião, nós não nos preocupamos que fosse alguma coisa mais grave. Achava que como todo adolescente, ele tivesse comido alguma porcaria”, conta Marli.
Isso foi em março de 2015 e em setembro do mesmo ano, a diarreia voltou e persistiu por uma semana, só que dessa vez acompanhada de dores abdominais, o que fez com que os pais procurassem um pronto socorro. “Lá, pediram alguns exames e nos mandaram de volta para casa, mas no dia seguinte tivemos que voltar ao hospital porque a dor no abdômen estava muito forte.” Dessa vez, conta ela, foram realizados, no próprio pronto socorro, alguns exames de rotina.
Nesse meio tempo o jovem que já estava perdendo peso revelou aos pais que na verdade os sintomas e, principalmente, a diarreia já vinham ocorrendo há tempos e que ele só não contou porque não queria preocupá-los. Também falou sobre a secreção que saia junto com as fezes.
Diante de tantas informações, a família foi orientada a procurar um proctologista que solicitou mais exames. Pela avaliação do histórico clínico do paciente, o médico que o atendeu já suspeitava de Doença de Crohn – inflamação autoimune do trato gastrointestinal que afeta predominantemente a parte inferior do intestino delgado (íleo) e intestino grosso (cólon), mas que pode atingir qualquer parte do trato gastrointestinal.
Susto
Os exames confirmaram a doença de Crohn e outros problemas como anemia, Proteína-C reativa (proteína produzida pelo fígado – técnica para detectar infecções, traumatismos, doenças reumáticas e neoplasias, por exemplo), perda de peso e força, abatimento e fraqueza. “Quando ouvi o médico falar o nome da doença, logo pensei em câncer. Nós não tínhamos a menor ideia do que fosse. Fui consultar na internet e levei um susto. Foi uma coisa assustadora pelo desconhecimento total da doença.”
Foi uma fase de ansiedade muito grande tanto para os pais quanto para Rodrigo. “Ele ficou bastante agitado e até um pouco deprimido. Nesses dias ele já não conseguia sair na rua. Ficava na cama. Não queria conversar e ficava no canto dele. A médica dele à época era a pessoa com quem ele mais falava.”
Com o uso do corticóide, Rodrigo viu de uma hora para a outra seu rosto inchar e com isso teve que enfrentar as perguntas dos coleguinhas na escola, mas não conseguia falar sobre a doença. Ele só se abria e explicava sobre a doença com os adultos. Os pais e os outros três irmãos tiveram de fazer um esforço sobrenatural para animar o caçula da família. “Eu consegui muita força, lutei muito, mas não demonstrava para ele.”
Não se sabe a causa da doença de Crohn, mas pressupõe-se que seja multifatorial, com componentes genéticos e ambientais associados. É sabido que existem genes que aumentam o risco de desenvolver a doença e, assim, parentes de paciente com doença de Crohn têm uma chance maior que a população geral. Sem tratamento, a enfermidade pode evoluir em alguns casos para câncer de intestino, além de existir a possibilidade de parentes que tiveram câncer de intestino e nesse caso fossem portadores da doença de Crohn. Por isso, Marli acredita que, no caso do filho, possa ser hereditário já que o pai dela morreu de câncer de intestino e ela tem primos com problemas de intestino.
A luta contra a infecção
Normalmente, pessoas com essa doença não podem tomar antiinflamatórios não hormonais, pois irritam a mucosa intestinal. Sendo assim. o médico indicou o uso de antibiótico e analgésico, para conter a infecção e diminuir as dores. Como as dores abdominais continuaram, foi pedido então uma Colonoscopia e um exame de fezes mais específico que detectou secreção de pus no intestino. Em novembro de 2015, Rodrigo foi submetido a uma Fistulectomia para retirar a secreção e colocado um dreno o qual ficaria por 30 dias. Sem melhoras no tratamento, Rodrigo perdia peso cada vez mais (nove quilos) e já não conseguia ir à escola. Foram dois meses sem sair na rua. A fraqueza era tanta que só tomava banho sentado.
Mais uma vez a família procurou ajuda médica, dessa vez com um gastroenterologista que entrou com medicação na veia (Remicade) procedimento realizado em hospital. Porém, na terceira dose do remédio, houve uma reação alérgica e os médicos tiveram que suspender rapidamente o medicamento e substituí-lo por outro, o Humira, um biológico da mesma classe do Remicade, de uso injetável subcutâneo no abdômen.
O Remicade faz parte de uma nova geração de medicamentos, chamados biológicos, que melhoraram muito o tratamento e qualidade de vida dos pacientes com Doença de Crohn. É uma medicação que surgiu há cerca de 20 anos e inclusive é fornecida pelo SUS. Nessa mesma classe de medicações, várias outras (como o Humira, por exemplo) já existem no mercado, sendo utilizadas conforme a indicação.
Tratamento
O tratamento de Rodrigo continua até hoje com o Humira. A alimentação inclui suplemento alimentar, ferro e, praticamente, tudo, já que o médico deu-lhe um valioso conselho: “Você é o termômetro do seu próprio corpo. Aquilo que você come e te faz mal, evite”. Com isso, refrigerante, fritura, enlatados e salgadinhos devem ficar longe do menu. Além da alimentação saudável, evitar o estresse foi outra recomendação importante da equipe médica.
Atualmente, sem nenhuma crise, Rodrigo leva uma vida normal e independente e retomou todos os compromissos abandonados na hora da dor. “Agradeço a Deus, mas também aos meus familiares e colegas de trabalho que me ajudaram muito nesse momento”, agradece Marli.
Conhecendo a Doença de Crohn
O que é
É uma doença inflamatória autoimune (onde células de defesa do corpo agridem células normais) que afeta principalmente o trato gastrointestinal.
Causa
Não se sabe a causa da doença de Crohn, mas se pressupõe que seja multifatorial, com componentes genéticos e ambientais associados.
Evolução da doença
A evolução varia entre pacientes e depende da gravidade da doença e da resposta ao tratamento, variando de totalmente controlada (em remissão) até a necessidade de cirurgia e em alguns casos, com risco de vida.
Sintomas
Os sintomas mais comuns são dor abdominal, diarreia com sangue e perda de peso com duração maior que alguns meses.
Prevenção, diagnóstico e importância do diagnóstico precoce
Não existe prevenção para doença de Crohn. O diagnóstico é feito pela história do paciente em conjunto com exames como colonoscopia e de imagem. A importância do diagnóstico precoce existe, pois o tratamento adequado diminui a incidência de complicações e a necessidade de cirurgia.
O exame de fezes mais específico para Doença de Crohn serve tanto para diagnóstico quanto para controle de tratamento. Porém, não é absoluto e só ele não faz ou descarta o diagnóstico.
Tratamento
O tratamento consiste em medicações que modulam a imunidade a fim de corrigir o erro de autoimunidade da doença. O tratamento mudou muito nos últimos cinco anos com novas medicações já no mercado e muitas outras em processo de aprovação, ainda em pesquisa.
Cura
A doença de Crohn, assim como outras doenças crônicas (diabetes, hipertensão, etc), não tem cura, porém, o objetivo do tratamento é proporcionar uma vida normal e sem restrições.
A doença atinge qualquer sexo e idade
A Doença de Crohn atinge ambos os sexos e todas as idades, mas existe uma maior incidência no sexo feminino e na faixa etária de 15 a 30 anos.
Profissionais e locais para tratamento no país
O profissional que cuida dos pacientes com doença de Crohn é o gastroenterologista. No Brasil, temos diversos centros especializados no setor público e privado.
Estatísticas no mundo e no Brasil
A prevalência da doença de Crohn no mundo é variável, sendo mais comum em países ocidentais e incomum no interior da Ásia e da África. No Brasil temos cerca de 5 casos a cada 100.000 habitantes.
Acompanhamento
É importante ter acompanhamento da doença para evitar complicações, cirurgias e melhorar a qualidade de vida.
Fonte: Fernando Seefelder Flaquer, gastroenterologista no Hospital Albert Einstein